terça-feira, 5 de maio de 2009

Programa Freestyle Entrevista: DJ Cortecertu!


Dj, músico, produtor, comunicador, instrutor, pesquisador, colunista, beatmaker. Ufa... Quantas atividades! Tudo em prol da Cultura que ama, o Hip Hop!
DJ Cortecertu é o entrevistado da vez no Blog do Programa Freestyle.
Conheça mais sobre uma das peças mais importantes para o desenvolvimento da cena no país em uma entrevista exclusiva para o Freestyle, que você confere agora.

Por: Marcílio Gabriel

P.F:
Quem é o DJ Cortecertu? Porque o pseudônimo Cortecertu?

DJ Cortecertu:
Cortecertu é um tiozinho que ama o Rap e o Hip Hop. A origem do meu pseudônimo está na arte do DJ: Cortar, colar, editar de maneira certa para fornecer estrutura para o discurso do MC. Também tem muito a ver com o trabalho de escrever sobre a cultura de rua. Escolher o recorte de espaço e tempo, colar a idéia principal do tema, do objeto de estudo, da fonte de pesquisa ou do entrevistado. Bom, é isso, uma mistura de crossfader com teclado de computador.

P.F:
Há quanto tempo que está envolvido com o Hip Hop?

DJ Cortecertu:
Eu me envolvi com música na minha adolescência, nos anos 1980. Eu era o cara da vila que tinha discos de rock pra animar as festas. Eu também sonhava em ter uma banda de punk rock, até compramos os instrumentos, mas brigamos antes mesmo de aprender a tocar alguma coisa, o motivo: Além do rock inglês e dos sons dos grupos brasileiros, eu comecei a ouvir música negra que uns vizinhos brancos tocavam em seus aparelhos de som, os caras tinham muitos discos e fitas K7, muito funk tipo Cameo, Zapp, George Clinton. Também comecei a ouvir samba-rock com o tio da minha namorada, resumindo tudo – eu queria que a banda fizesse um som com essas misturas, deu treta e paramos. Daí comecei a ouvir Fat Boys, Kurtis Blow, Mantronix, Boogie Boys, Whodini, Run DMC e os primeiros raps brasileiros que eram paródias. Na boca da galera estavam o “rap da pipoca” (big mouth – Whodini), o “rap do bastião” (Fly guys – Magic Trick) o “rap da cerveja” (Go see the Doctor – Kool Moe Dee). Frases como “ritmo marcante, hipnotizante”, eram coisas dos funções, tribo urbana em formação que curtia o novo rap e as outras vertentes da música negra dos bailes. O neguinho aqui estava sem banda e sem saber tocar nada, mas o rap trouxe a proximidade com a arte de fazer música, pois eu poderia manipular equipamentos de som e gravação e fazer igual o Boogie Down, o Gueto e o DJ Hum fazia. Eu queria ser DJ, essa vontade me fez conhecer o Hip Hop. Montei grupos, sem nenhum sucesso, e me envolvi com os projetos com Comando DMC, grupo que me ensinou muita coisa. Eu era o moleque que curtia rap em casa. Eles me mostraram a rua.

P.F: Quais são as atividades que você desenvolve dentro da cultura Hip Hop, além dos toca-discos?

DJ Cortecertu: Pra dizer a verdade, eu atuo pouco com discotecagem, se for me comparar com os DJs da cena, eu não atuo nada. Amo meus toca-discos, aparelhos profissionais que consegui comprar no ano de 2001, olha que eu comecei a tocar em 1987. Eu faço as bases...Bases não (risos), isso é coisa de tiozinho, hoje é melhor falar que sou beatmaker. Tenho, junto com meu parceiro Negujura, uma bateria Boss, e um micro com Fruit Loops e Sound Forge. Tenho um grupo, o Favelelétrica, escrevo uns raps também, mas não sou conhecido por esses trabalhos ainda. O Corte que a cena conhece é o cara que pesquisa e escreve no Bocada Forte. Trampo como instrutor, ensino o pouco que sei pros DJs iniciantes, como o Lucas, da favela do Vietnã. Participo de debates e seminários sobre cultura negra e periférica. Desde minha infância, o racismo se tornou presente na minha vida, o Hip Hop me fez ver quem eu era e quem eu tenho que ser.

P.F: Fale um pouco do seu grupo, o Favelelétrica.

DJ Cortecertu: O Favelelétrica é um grupo de rap. Um projeto com a MC LLara, o rapper LW, e dois DJs, Negujura e eu. A idéia do som do grupo é utilizar o rap, a temática política e a liberdade de criação. Na parte sonora, temos influências do rap, da música eletrônica, do drum’n’bass e sons brasileiros. O Favelelétrica é nossa maneira de celebrar a música e fazer política. Não fazemos nada diferente do que já foi feito, só misturamos tudo com “responsa”. Estamos gravando músicas para nossa primeira mixtape, que terá participações do grupo Gueto Organizado, Fabio Emece, Coscarque, um beatmaker da Bahia, Versu2, DJ Marcelinho, do Beat Choro, A.M.O.R (As Moças Ouvem Rap), dupla de Portugal, Agregados, do Rio Grande do Norte, e muitos instrumentais e riscos capengas do Cortecertu. Nosso CD, bom... Só no ano que vem. Precisamos fazer shows e trampar na mixtape.

O grupo Favelelétrica

P.F: Você participou da produção do DVD “1000 Trutas, 1000 Tretas” do grupo Racionais Mcs, fale um pouco sobre sua atuação neste projeto.

DJ Cortecertu: Em 2004, o fotógrafo João Wainer me ligou e disse que o Mano Brow estava querendo fazer um documentário sobre a história do negro em São Paulo, onde o fio condutor seria a música. Fizemos uma reunião, primeiramente com os integrantes da produtora Sindicato Paralelo e o rapper Ice Blue, dessa reunião saíram as primeira idéias, mas teríamos outro encontro com o Brown. Por coincidência, acabei trombando o Mano Brown em uma das eliminatórias do Hip Hop DJ, no Sesc Pompéia, me apresentei e ele me disse o que queria. Pra não me estender muito: Eu tive que pesquisar os locais para onde o negro foi após a abolição, as formações das organizações negras, das periferias. Tendo mapeado isso tudo, partimos para a segunda parte, o Brown me convidou para irmos na TV Cultura pesquisar imagens dos anos 1960/70/80. Com a ajuda do Zé Maria, uma das pessoas que mais entendem dos arquivos do MIS e da Cultura, seguimos nosso trabalho. Foi um grande aprendizado, tivemos acesso aos filmes, nos ensinaram a mexer nas moviolas. Colhemos imagens dos bairros, das festas, depoimentos.
Foi uma grande experiência, os Racionais MCs sempre foram referência para mim, eu tive a sorte de trabalhar com eles. O mais importante é o fato do Corte ter participado da reconstrução da memória de uma parte da nossa cultura, sou muito pequeno diante disso tudo.

P.F: Você é um dos responsáveis pelo conteúdo do portal Bocada Forte, uma das principais referências da comunicação no Hip Hop brasileiro, como é gerenciar tanta informação que o site emite e veicula diariamente?

DJ Cortecertu: Muito difícil, às vezes tenho sensação de impotência, São tantas coisas acontecendo no país, o BF não tem como dar conta de tanta informação. Mas amo o que faço. Acordo cedo, verifico os emails, visito os outros sites e os blogs mais relevantes da cena, pesquiso e peço indicações pra um monte de gente de diversas partes do país e vivo com um fone de ouvido e muito rap na mente, quando colo nos picos peço CD, converso com os grupos e MCs. Essa é minha parte, o BF tem uma equipe que trampa sério, discutimos direto, tretamos, temos opiniões diferentes. Isso é necessário para desenvolvermos a nossa linha editorial. Agregamos, criamos e fornecemos conteúdo. Rangel, Noise D, André, Fábio, Bruno Gil, entre outros colaboradores, fazem uma correria para atualizar o site e dar suporte técnico. Abrir o leque de informações e se aproximar da cena foi o principal desafio da nova fase do Bocada Forte, estamos pagando o preço e colhendo os frutos dessa abertura ou transformação. Nem todos lidam bem com a mudança, somos interpretados de várias formas, alguns grupos colaboram, outros estão de chapéu atolado com a gente, mas, como sempre falo, você não precisa gostar de mim, tem que me respeitar e não negar minha existência. Trabalho pelo Hip Hop e por mim. Mas eu preciso do Hip Hop. O Hip Hop não precisa de mim. Se o Corte parar, se o Bocada Forte parar... O Hip Hop continuará da mesma forma e com a mesma força, Entretanto, não imagino o Cortecertu e a equipe do Bocada Forte sem o Hip Hop. É piegas ? Sim! Mas é a real. Somos respeitados hoje porque temos grupos, MCs, produtores de eventos, militantes, blogs e sites que somam com a gente no cenário. O BF sozinho não é muita coisa.

P.F:
A internet é uma das principais aliadas do Hip Hop hoje. Com essa febre dos Blogs e Myspace, como você vê essa “parceria” entre internet e Hip Hop?

DJ Cortecertu: Existem prós e contras. Tem muita gente fazendo trabalhos de qualidade duvidosa, mas isso é uma das características da Internet, ela abre espaço para diversos tipos de trabalho. Por outro lado, a web tem sido uma grande aliada do Hip-Hop, a principal mídia da nossa cultura está na Internet, os melhores trampos, resenhas, entrevistas e divulgações estão online. Para os artistas o barato segue na mesma seqüência, como já disse antes, precisamos fazer essa movimentação virtual virar movimentação na rua, fazendo a grana e a cultura circular, com shows e eventos. O que seria do Cortecertu sem a Internet? Quem daria espaço para as minhas idéias e trabalhos?

P.F:
Você fez uma matéria no portal Bocada Forte sobre o início da Cultura Hip Hop no país, ao produzir o conteúdo logicamente foi necessário realizar uma pesquisa, ao fazer este resgate que comparação você faria com o atual momento da cena de hoje? O que o Hip Hop após quase 25 anos ainda tem em comum com relação à sua origem?

DJ Cortecertu: O amor ainda é o mesmo no coração de quem leva o Hip Hop a sério. Mas vamos lá, sem fugas né... No início, a dança tinha mais espaço e era mais respeitada pelos MCs e DJs, hoje, apesar da profissionalização e dos eventos internacionais, a grande maioria do Rap nem tem identificação com o elemento dança. Veja bem, é necessária a análise de muitos elementos para comparar o Rap de ontem e o de hoje, como sou ligado ao conceito de história de longa duração, eu me estenderia muito e seria até chato. Temos que levar em conta a realidade econômica, cultural, social e os avanços da tecnologia de cada época. Antes, pra ter uma linha telefônica, você precisava vender seu carro. Hoje, com um pendrive em uma Lan House, você divulga seu som para centenas ou milhares de pessoas. O que o Hip Hop após quase 25 anos ainda tem em comum com relação à sua origem? Temos a idéia de inovar sempre, da disputa pelo melhor discurso, da melhor discotecagem, a mais louca performance, o movimento perfeito, a busca pelo beat e o sample bem elaborado. Hoje temos melhores condições de por em prática muitas idéias, isso é fruto do trabalho de quem começou no nosso Hip Hop, daqueles que cantaram em cima de base pirata em vinil, daqueles que se apresentavam em cima de mesa de sinuca, daqueles que, mesmo sem equipamento profissional, desenvolveram nossa arte. Ta vendo? Mesmo falando que serei breve... não consigo ser (risos).

P.F: Como um atuante em diversas áreas do Hip Hop, você acha que ele está no lugar que merece?

DJ Cortecertu: O Hip Hop está no lugar em que as tensões internas e externas, desde o começo da nossa cultura, o deixaram. A verdade é que merecemos mais, temos que lutar por isso, com representação artística e política.

P.F:
O que você tem ouvido de Rap nacional? O que mais vem te agradando musicalmente no Rap?

DJ Cortecertu: Eu ouço muita coisa brasileira, curto o grupo Julgamentos (MG), Criolo Doido, Kamau, Daganja (BA), Emicida, Rhossi, Pierre MC, Marechal, Costa a Costa (CE), Lívia Cruz, Flora Matos, Ato MC (DF), U-Sal (RJ), Nego Dé (DF), CBF, Realidade Cruel, Contra Fluxo, alguns grupos da banca Reviravolta Máfia, Dina Di, Manuscritos, Inumanos, Provérbio X (DF), as novas dos Racionais MCs, os trabalhos na linha mais pop do produtor Cyber (RS), entre muito material que pesquiso e que me enviam.
O que mais vem me agradando musicalmente no Rap? O trabalho das minas na cena, o amadurecimento da nova escola e dos que fazem sons alternativos, que começaram entre 1997 e 2000. Vejo um trabalho sólido do Slim Rimografia, do Rincon Sapiência, do Pentágono, do DJ Soares, Nego Dé, Aninha (Atitude Feminina), cada um num estilo diferente de fazer rap, mas me parece que agora eles sabem exatamente o que querem. Sei que tem coisa boa pra chegar ainda, hoje temos muitos sons bons, mas ainda são levados pela onda dos modismos, sabemos que isso faz parte, é passagem para a formação de um bom artista ou militante do Hip Hop.

P.F:
Fale um som que não pode faltar em seu set e em seu fone de ouvido:

DJ Cortecertu:
Atualmente escuto direto a música “Equilíbrio”, do Kamau, pois representa a fase de reconstrução que estou vivendo.

P.F:
Hip Hop pra você é...

DJ Cortecertu:
Força e paz!

P.F:
Espaço aberto pra finalizar a entrevista.

DJ Cortecertu:
Para todas as áreas do Hip Hop : Mais trabalho, menos vaidade. Precisamos construir algo forte e com representação política. Nossa história é rica, mas até hoje deu lucro pra quem nem liga pra ela.
Vai um salve para todos os que lidam com a mídia alternativa, seja na web, em rádios comunitárias e em zines.

Acompanhe mais sobre os trabalhos do DJ Cortecertu:


Um comentário:

Daniel disse...

Esse é embaçado mesmo...parabéns ao Programa Freestyle por, mais uma vez, acertar no entrevistado. Cortecertu é uma das cabeças mais pensantes e um dos maiores arquivos vivos do rap. Tamo junto, Grandmaster Corte!